Foram 22
anos, 2 meses e 1 semana partilhando minha vida com o povo da República
Centro-Africana.
Posso definir esses dias como um tempo de escola da fé e de
uma grande amizade com o povo. Sinto que cresci como mulher consagrada e
missionária comboniana.
Vivi em três comunidades, presentes em três dioceses
diferentes. Guardo lembrança especial de cada Irmã com quem rezei, partilhei os
desafios e planejei as atividades. Tudo tinha o objetivo de continuar o que
tantos missionários e missionárias realizaram, desde o início da evangelização
no País, há quase 125 anos, e a organização da nossa vida comunitária, pois
acredito profundamente que evangelizamos como comunidade.
Os seis anos
na Pastoral catequética foram de muito empenho para conhecer e viver nessa realidade,
onde tudo era novo para mim: língua, cultura, metodologia pastoral. A acolhida
e a simplicidade do povo davam-me coragem para avançar em alto mar.
Foram três
anos de trabalho desafiador com os povos Pigmeus: estradas e pontes muito
perigosas, miséria extrema, faltava tudo, mas eu sentia que eles me amavam e eu
os amava também. Fiz a experiência e aprendi que é possível viver com pouco, pois
não são as coisas supérfluas deste mundo que nos trazem felicidades, mas o bem
que fazemos para as pessoas.
Na Pastoral
Vocacional e Animação missionária foram 7 anos de intenso planejamento,
programações e realizações, sempre com as minhas Irmãs, e tantas outras forças
locais, como padres, irmãs e leigos.
Como
coordenadora da Província por seis anos, penso ter ajudado as Irmãs da
República Centro-Africana, Chade e Camarões a realizar a missão que cada uma
recebeu, fazendo sempre o possível para escutar e acompanhar os desafios do seu
ministério. As viagens eram muito longas, fossem de avião, ônibus, carro,
carroça, moto ou a pé, mas não faltava diversão. Vi muito sofrimento e
injustiça, mas também gozei de muitas belezas naturais, privilégios e
delicadezas de pessoas que nem conhecia. Encontrei Deus, o amei e o toquei
muitas vezes, sem mesmo o perceber no momento.
A realidade
política e social do País não oferecem uma vida digna, tranquila e serena ao
povo, que está vivendo uma guerra há mais de quatro anos sem tréguas. Muitas
vidas foram eliminadas de modo violento e agressivo. Sofremos muito ao ver o
nosso povo morrer por falta de recursos mesmo com tantas riquezas naturais
nesses Países: ouro, diamante, petróleo, madeira, cimento, coltan.
O conflito
interno étnico e religioso no Centro-África e a falta de informação mundial sobre
o Continente Africano são um mal para a África, tão amada por Comboni e por
todos nós que seguimos os seus passos. A contradição é enorme, já que a África
é rica, muito rica, o que a faz viver há tantos anos em guerra. As razões
dessas atrocidades são a má governança do País, a disputa pelos minérios, a
falta de autoridade política, a falta de emprego para os jovens e o
analfabetismo. Das 16 prefeituras, 14 estão sendo controladas por diferentes
grupos de rebeldes.
Não dá para
ficar calado, por isso a Igreja ajuda o povo a abrir os olhos para assumir suas
responsabilidades. A responsabilidade não é só dos colonizadores, da comunidade
Europeia, da China, da América, mas de cada um que deixa de pensar, acreditar, esperar
e agir em favor de uma nação melhor hoje e amanhã. Os 12.900 homens da MINUSCA,
(Missão multidimensional integrada das Nações Unidas para a estabilização no
Centro-África) que têm a responsabilidade de enfrentar os grupos armados que se
organizam cada vez mais, será inútil sem o esforço e a colaboração de todos os
Centro-africanos.
A Igreja,
com todo o pessoal apostólico e, em particular, o nosso Cardeal Dieudonné Nzapalainga,
é a única força credível hoje, e que foi capaz de impedir que a situação fosse
ainda mais grave. Agradeço a Deus pela sua proteção nos momentos de violências
e agressões, e às minhas co-irmãs pela coragem e fidelidade de se arriscarem
por amor, permanecendo com o povo, mesmo quando recebemos
o convite de nossa Responsável Geral para sair do País nas horas mais duras e incertas,
ou quando não se podia fazer outra coisa a não ser rezar e escutar as pessoas que
vinham à nossa porta pedir ajuda.
Assim, a missão não é fazer algo para os outros,
mas partilhar com o próximo a sorte dos demais, ajudando-os a manter a chama da
esperança de um futuro melhor, pois como disse Padre Zezinho “não dá para viver em paz onde não há o que
comer”.
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